A minha experiência num centro PMA público – Parte I

por Monica Sona

Quando me ligaram do hospital de Coimbra para marcar a primeira consulta de esterilidade ficamos radiantes. A A1 Lisboa-Coimbra transformou-se automaticamente na nossa estrada da esperança.

Na primeira consulta de esterilidade é nos atribuído um médico que nos seguirá até passarmos para os tratamentos. Nesta consulta é nos feito um questionário enorme, o médico vê todos os exames que já foram realizados, faz requisição de mais exames necessários à avaliação e leva o nosso caso a uma reunião de decisão terapêutica.

Os meus exames e análises tiveram de ser feitos todos no hospital a médica não aceitou eu fazer noutro local em Lisboa, todo o estudo é feito no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC). Este é um enorme obstáculo, pois para quem vive a cerca de 250 km de distância do hospital, tem muitas vezes de se deslocar para fazer um exame por vezes rápido mas que nos impedirá de trabalhar nesse dia.

Outro problema é que conciliar o nosso ciclo menstrual com a agenda de um hospital publico é obra, há exames que têm de ser feitos num momento especifico do nosso ciclo e depois o hospital só o realiza num determinado dia da semana. Mas neste sentido eu tive muita sorte.

Entre a primeira consulta, fazer todos os exames, esperar que o meu processo fosse a reunião para decisão terapêutica e voltar a ser contactada para a consulta onde a médica iria dar-nos a conhecer o nosso desfecho passaram 2 meses e meio o que para hospital público não é bom é EXCELENTE.

No final de Junho tivemos a consulta de decisão e a médica indicou-nos que iríamos fazer uma FIV. Para minha grande sorte estava numa altura do mês em que deu logo para iniciar um ciclo e iniciei o protocolo longo.

O protocolo longo está dividido em duas fases, a primeira é de dessensibilização e a segunda fase é de estimulação ovárica.

Todas as consultas, exames e tratamentos são completamente gratuitos, já a medicação essa é por nossa conta e mesmo com a comparticipação do SNS os valores para um protocolo longo andam entre os 400/500 € e isto logo num único mês, este valor vai depender de como reage o nosso corpo ao estimulo hormonal, haverá mulheres que poderão levar menos quantidade e haverá outras que levarão mais.

Assim que se inicia o protocolo longo no 21º dia do ciclo menstrual leva-se uma injeção intra muscular, que tem de ser administrada por um profissional de saúde habilitado para tal, e passados 15 dias faz-se a avaliação dessa dessensibilização.

Se tudo estiver bem arranca-se para a segunda fase que é a da estimulação ovárica. Esta fase pode ser problemática para quem tem medo de agulhas pois temos de ser injectadas quase todos os dias na barriga, eu injetei-me a mim própria emas fiquem descansadas que a equipa de enfermagem dá-nos uma pequena formação. Há medicação em que as injeções são tipo caneta, para mim são bem mais fáceis do que ter mesmo uma seringa.

Depois das administrações temos dias próprios para sermos avaliadas através de ecografias e exames ao sangue, assim que os óvulos estiverem do tamanho desejado administra-se uma outra injeção para desencadear a ovulação e nesta fase tem de se fazer a punção até 36 horas após a toma deste ultimo medicamento.

No hospital público mandaram fazer uma preparação antes da punção, temos de levar os intestinos “limpos” temos de ir em jejum no mínimo de 6 horas. Mas temos sempre uma checklist para nos guiarmos durante o tratamento e preparação.

No dia da punção eu estava nervosíssima, era a primeira vez que ia fazer uma punção, que ia ser sedada e que entrava numa sala de operações.

Existem alguns riscos associados tanto à estimulação ovárica como à punção, mas é colocar o coração ao largo pois as estatísticas ajudam-nos a ter alguma confiança. Fiz a minha punção num sábado e na segunda feira estava a trabalhar, sentia-me bem não tive dores apenas um ligeiro desconforto por sentir a barriga ligeiramente inchada.

Mas à que respeitar cada mulher como ela é, nem todas reagem da mesma forma umas precisam de repouso, outras sentem maior dor, isto não é chapa 5 depende de cada organismo. Temos de aceitar e respeitar as diferenças.

A equipa que me seguiu naquele dia foi espectacular e o médico que me fez a punção disse-me uma frase que me deu um alento e uma esperança que nem ele imagina, assim que veio ter comigo para me dar os resultados da quantidade de ovócitos que tinha retirado, disse “A Mónica tem tudo para engravidar”.

No dia da punção recolhem também o esperma para que se inicie a fecundação. Dão-nos a resposta de quantos ovócitos foram fecundados no dia seguinte à fecundação.

A partir do momento que eles fecundam e que começam a dividir já são embriões. Todos os dias ligamos para o laboratório do hospital para que o embriologista nos diga como está a correr a evolução dos nossos embriões.

Só quem passa por este processo compreende a angustia que é ligar para o laboratório e ficar na expectativa a aguardar a mensagem do embriologista que umas vezes é boa e outras vezes é má pois todos os dias existe sempre uma redução de embriões.

Eu consegui neste minha primeira FIV com 39 anos 5 blastocistos, 2 de óptima qualidade e 3 de qualidade inferior.

No laboratório do hospital a informação que nos dão é que só congelam material que acham que é viável para formar uma vida por isso estava muito confiante.

5 dias depois de fazer a punção estava no hospital de Coimbra a fazer a minha primeira transferência de 2 embriões frescos, isto porque eram blastocistos, porque pode haver transferências ao terceiro dia após a punção. No dia da transferência temos de fazer análises para ver se os níveis hormonais estão dentro dos valores pretendidos, se estiverem avançamos para a transferência, se não os embriões são criopreservados.

A transferência é um processo indolor. Colocam o embrião no útero através de um cateter, é um procedimento rápido e mandam-nos ficar imóveis na maca uma meia hora imediatamente após transferência, depois passamos para o quarto e estive lá mais uma hora e meia. Com todo aquele aparato e exigência de descanso assim que o médico me veio ver eu perguntei-lhe “Dr. agora quando me levantar não há perigo do embrião sair?” o médico olhou para mim e revirou-me os olhos. Depois explicou-me que existem estudos que referem que o ovulo é como se fosse uma bola de ténis e as paredes do útero é como se estivessem revestidas a mel, e uma bola de ténis a rolar no mel chega a um ponto que para. Então percebi a mensagem e fiquei mais relaxada.

Temos de fazer repouso, não fazer esforços tentar ficar tranquilas o que não é muito fácil pois temos de esperar quase 15 dias para fazer o teste BetaHCG no laboratório do hospital e esta ansiedade quase que nos mata.

Este tempo de espera é muito desgastante, podemos ter perdas de sangue, dores como se a menstruação esteja para chegar e tudo isso deixa-nos abaladas porque o desejo que tudo corra bem é enorme.

Eu partilhei esta angustia com o meu marido, porque partilhar com pessoas que não passaram por isto é dose, porque ouvimos as celebres frases como ” tem calma” “não leias nada” “não ligues a sintomas” blá blá blá. Eu sei que as pessoas nos querem ajudar, mas a maior parte das vezes só queremos ser ouvidas mais nada.

No hospital aconselham a não fazer teste de gravidez, porque pode dar um falso negativo e há pessoas que deixam de tomar a medicação e podem colocar tudo a perder, mas eu confesso que não resisti e 3 dias antes de ir ao hospital fiz o teste, claro que a médica assim que nos deu a noticia do positivo viu na nossa cara que não ficamos surpreendidos.

Depois de o BetaHCG dar positivo é nos agendada ecografia das 6 semanas.

Quando fui fazer a eco das 6 semanas o meu coração batia a mil para saber se estava tudo bem, um dos embriões estava bem o outro a médica não via, mas como era muito cedo ela disse que só na eco das 8 semanas iria ter a certeza se seriam gémeos.

Dois dias antes de ter a consulta no hospital para a eco das 8 semanas, tive um aborto espontâneo.

Estava num hotel em trás os montes quando comecei a ter umas dores insuportáveis, tão insuportáveis que tive de chamar uma ambulância. O que não sabia é que estava a 70 km do hospital e que tinha de percorrer uma estrada que parecia não ter fim e cheia de curvas. Saí a meio da noite de ambulância, cheia de dores, de sede e de calor e o bombeiro que ia comigo não me pode dar água e com a pasta onde escreveu a ocorrência, abanava-me de forma a me dar mais conforto, quando estamos aflitos estas pequenas ações são emocionantes, sei que lhe agradeci e muito. E essa noite que supostamente iria passar no hotel passei no hospital.

Por ser um hospital publico o meu marido não pode dormir ao pé de mim e voltou para o hotel. A nossa estadia terminou nesse momento.

Fiquei internada na maternidade, não há sitio pior para ficar quando alguém sofre um aborto pois ouvem-se bebes a chorar acabadinhos de nascer. E eu ali sozinha a chorar por ter perdido o meu. Estava tão exausta que assim que a dor passou dormi como um bebe.

Passado 2 dias fiz a tal ecografia das supostas 8 semanas, a médica viu que os embriões tinham saído mas que tinha um mioma, ela foi ver todas as ecos para trás e viu que realmente ele estava maior e que tinha de marcar uma consulta de esterilidade para saber o que fazer, tínhamos de ver onde estava localizado se dentro ou fora do útero e na pior das hipóteses se o tínhamos de tirar.

Lidar com o aborto foi uma desilusão mas não foi um drama. Tentei ser pragmática, pensar que a natureza é sábia e que se existiu uma interrupção é porque aquelas vidas podiam não ser viáveis.

Mas não ser um drama não foi unicamente por ser pragmática, foi também porque 15 dias depois de ter tido o aborto, tive de lidar com uma das maiores dores de sempre, a morte do meu pai. Recebi essa noticia assim que saí da consulta de esterilidade para a avaliação do tal mioma. O destino é lixado, eu ali a fazer planos para criar uma vida e outra vida a ser ceifada. Nesse momento chorei agarrada ao meu marido no meio dos corredores do hospital e o que mais queria era chegar o mais depressa possível a Lisboa e estar com a minha família.

E no meio de tanta dor, tive uma lucidez como nunca tivera antes, e se tenho de aceitar a morte do meu pai, tenho de aceitar esta interrupção natural. E nesse momento o aborto ficou arrumadinho na gaveta das coisas bem resolvidas.

Esta história continua no próximo post.

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